Eu já comentei aqui da dificuldade que é de conseguir um peru não-temperado para o Natal. Todo ano, eu tento feito louca encontrar o meu, vou ao mercado negro, ao mercado pardo, ao mercado de Pinheiros, encomendo antecipadamente, prometo pagar em ienes, em rúpias e muitas vezes não consigo.
Depois, contrariando o que ensina a embalagem, eu lavo bem, em muita água corrente e tempero, sim, do meu jeito. Não faz muita diferença porque o coitado do peru recebe tempero desde o ovo e não há vinha d’alhos, cerveja, vinho, champanhe ou o que for que tire aquele gosto de “todos os perus temperados do mundo”.
A minha receita de peito de peru recheado é com cachaça. Calma! Tá vendo o perigo? A gente escreve uma frase mais descontraída e já fica com má fama
Embora eu saiba que a intenção do fabricante seja das mais nobres, acho uma sacanagem. A gente devia, pelo menos, poder optar, né? Já pensou, por exemplo, se a gente pudesse escolher entre cinco opções de tempero diferente para o peru? Já melhorava um pouquinho, né? Caso contrário, querida, esteja certa de que o peru que você servirá na sua casa terá exatamente o mesmo gosto do peru da sua vizinha e dos perus de outras centenas de milhares de mesas brasileiras, do Oiapoque ao Chuí.
A menos que…
Esse ano, em mais uma tentativa de me rebelar, vou fazer uma receita de peito de peru recheado.
No ano passado, contei aqui sobre uma tradição da porção nordestina da minha família, que comprava o peru vivo para abater nas vésperas da ceia. Para que a carne ficasse macia, era praxe dar um porre de cana no bichão antes do “passamento”. Na história que contei, erraram na dose da cachaça, o peru ficou com dor de barriga e não pôde ser abatido. Quem quase foi abatida fui eu, por um bando de ativistas da Sociedade Protetora dos Perus de Natal, que ficou horrorizada com a prática selvagem.
Pois bem. A minha receita de peito de peru recheado é com cachaça. Calma! Tá vendo o perigo? A gente escreve uma frase mais descontraída e já fica com má fama. Apesar de adorar uma birita, o peru não é recheado com cachaça. A danada da pinga é só pra flambar a ave. DEPOIS de morta. E, sim, eu juro que não fica seco. Juro pelo espírito de Natal e pelos meus filhinhos. Vamos lá?
Peito de peru bêbado e recheado
1 peito de peru desossado e SEM TEMPERO do tamanho que você encontrar. Se só achar pequeno, compre dois ou três.
100 g de bacon (ou 200, ou 300, dependendo de quantos peitos você for fazer)
1 dose de cachaça (já entendeu, né? Se for preparar mais de um peito, multiplique os ingredientes)
6 folhas de sálvia fresca
1 ramo de alecrim fresco
½ cebola
2 cenouras
Talos de salsão
1 colher (chá) de canela
Cerca de 6 colheres (sopa) de azeite para fritar
Sal e pimenta-do-reino
2 xícaras de caldo de galinha.
Pique a cebola. Corte as cenouras e o salsão em cubos e pique a sálvia e o alecrim.
Com uma faca bem afiada, abra o peito de peru como se fosse um rocambole. Não precisa ser um trabalho perfeito porque ninguém vai ver, mas tenha cuidado para não separar a carne.
Frite a cebola em um pouco de azeite e refogue as cenouras e o salsão cortados em cubos. Seja breve aqui porque quanto mais firmes ficarem os vegetais, mais fácil será a sua vida daqui pra frente. Separe.
Tempere o peito de peru já aberto com sal e pimenta e esfregue a sálvia e o tomilho com vontade, na parte de fora.
Recheie com os vegetais (se você não gosta de cenoura ou de salsão, substitua por champignons, cebolas, ameixas, milho ou o que você quiser. O importante é usar vegetais coloridos, que contribuirão para a beleza do prato, e suculentos, que ajudarão a sua ave a se manter macia. Milho, aliás, é uma grande idéia. Vai fazer o peru se lembrar da infância dele, quando vivia feliz com a família, em alguma granja do interior do país).
Uma vez recheado, enrole novamente o peru como se fosse um rocambole, distribua as fatias de bacon, cobrindo toda a parte externa e amarre. Não economize no barbante. Amarre mesmo, com vontade. Na hora de servir, é só cortar a pontinha do barbante e tirar tudo de uma vez. Eu não recomendo o uso de palitos porque tive um tio que quase morreu com um desses, mas essa é outra história.
Quando seu peru estiver bem amarrado, aqueça o azeite numa panela alta (para não espirrar) e doure a ave de todos os lados. Não precisa usar azeite demais porque o bacon já renderá bastante gordura, como você verá nos minutos seguintes.
Quando estiver dourado, polvilhe a canela para ajudar no bronzeado. Por fim, aqueça ligeiramente a dose de cachaça, jogue na panela e flambe. Você se lembra que quando flamba, TODO o álcool vai embora e só o que fica é o perfume na comida, não é? Então tá.
Asse o seu peru em forno médio por mais ou menos uma hora (calcule cerca de 45 minutos por quilo de carne). Não se esqueça de abrir o forno de meia em meia hora e regar bem sua obra-prima com o caldo de galinha que eu esqueci de mencionar, mas você não esqueceu de pôr na assadeira. Ah, e eu sempre asso o meu coberto com papel alumínio e só tiro na última meia hora, para dourar. É maciez garantida ou seu dinheiro de volta.
Depois de assado, tire o barbante, corte em fatias e sirva com seus acompanhamentos habituais. Vale arroz, farofa, salada o que você quiser. Depois você me conta.